Jacira dá um passo e cruza as mãos
Os movimentos do Tai Chi Chuan & Chi Kung, embora tenham nomes sugestivos, em si mesmos, usualmente, não possuem significados bem definidos. Movimentos carregados de significados definidos a priori são exceções. É o caso, por exemplo dos movimentos da forma “abrindo as portas do templo” em que, imagéticos, a cada gesto se associam palavras definidas anteriormente: o sol nasce, eu abro as portas do templo, a energia se espalha, eu a recolho e armazeno.
Já movimentos como o acariciando a crina do cavalo selvagem, estirando o pé direito, donzela tecendo e empurrando a naveta, etc, podem ser impregnado de significados outros que não exatamente aqueles sugeridos pelos nomes. É claro que os nomes dos movimentos fornecem já belas sugestões de significados que podem ser assumidos pela pessoa. Todavia, dado que não há interesse em padronizar as mentes das pessoas, que cada um tem uma história de vida e quer preservá-la e continuar com sua individualidade, devem mesmo os movimentos ter seus significados atribuídos por cada praticante.
O instrutor fornece os nomes – facilmente obteníveis hoje na Internet – e mostra o movimento, mas o praticante, ao se assenhorar do movimento e do nome, atribui significado que tem algum valor emocional a ele, praticante. E aqui o instrutor pode até ajudar sublinhando alguma sugestão de insight, mas o trabalho interior mesmo quem realizará é o praticante.
Como é um pouco difícil explicar por palavras esse fenômeno da atribuição de significado aos movimentos, vejam o exemplo proporcionado pela Jacira (foto). Ele auxiliará em muito o entendimento do processo.
Jacira buxcando a agulha no fundo do mar
Ela contou, a propósito do movimento de buscar agulha no fundo do mar, que, quando seu pai era criança, morava numa casa na Ilha do Marajó. As casas do local, palafitas, como em grande parte da Amazônia, são elevadas do solo, construídas sobre estacas de madeira, de modo que ao subirem as águas, a casa fica a salvo. A salvo das águas, do solo lamacento e até de algum animal curioso.
Estava o pai da Jacira, então menino ainda, brincando com um agulha e ela escorrega de sua mão indo cair na lama lá em baixo. A mãe ao saber do fato manda o menino buscar a agulha na lama. O moleque passa o dia procurando e, sem sucesso, recebe o corretivo padrão da época, uma surra de tirar o fôlego, daquelas que vão muito além da correspondente gravidade da falta. A surra foi tão feia que um dos parentes leva a criança ao juizado, etc. Até hoje ele se lembra do fato e conta para a filha Jacira.
Ela, Jacira vem praticar Tai Chi Chuan e se depara com um movimento que tem o nome “buscar a agulha no fundo do mar”. É criada assim a ligação entre o movimento, o rótulo padrão e uma situação familiar de alto conteúdo emocional relacionado à vida da praticante. O movimento passou a ter um significado específico para ela, algo que tem ressonância em seu interior, que tem conteúdos vívidos e particulares.
E assim cada praticante irá, naturalmente, atribuindo significados próprios ao Tai Chi Chuan & Chi Kung que praticam.